4-2-GAMI (Cyber Café)

Os olhos do homem se abriram lentamente, revelando uma cor roxa clara. Era possível notar que aqueles assumiram uma formação um tanto metálica, apesar de suas íris ainda emitirem cor. Era uma coisa engraçada, aquela personalidade, a única que trazia a Lennart uma desvantagem. É claro que esta era compensado pelo fato de Requiem ser sobre humano, até mesmo pessoas com AUGS mais avançados de combate teriam dificuldade de fazer o que ele fazia. Um pequeno sorriso cruzou seus lábios ao ouvir a voz da garota, tinha certeza de que já havia ouvido ela falar antes, porém é claro que não teria como reconhecê-la baseada na aparência.


- Mas é claro, sinta-se a vontade - Ele falou, fechando seus olhos novamente - Qual o seu nome, garotinha?

Havia um pequeno sorriso nos lábios de Requiem, conforme ele fechava seus olhos, aquele brilho roxo desaparecendo por completo. Uma atendente robô aproximou-se e colocou a xícara de café na frente de Requiem, que a segurou calmamente e levou aquele líquido escuro e escaldante até seus lábios, tomando um gole como se não sentisse nada. Após repousar a xícara em cima da mesa, a cabeça dele levemente inclinou-se conforme a garota se apresentava. Ele tinha certeza de que já havia ouvido o nome dela em algum lugar. 

- Depende muito. Eu sou Requiem. Mas talvez você me encontre por aí me chamando de Lennart, ou de Natasha, ou de Raizel e se tiver muita sorte, irá ouvir eu me chamar de Azazel - Disse o homem, tranquilamente - Mas é mais comum encontrar o Lennart.

- Sim, isso eu sou. 

Requiem soltou um suspiro. É claro que ele reconhecia o nome daquela garota, ouvira falar que ela era uma empregada dos Darkness. Normalmente as pessoas ignorariam aquele tipo de informação, porém Requiem considerava até mesmo o mínimo de conhecimento importante o suficiente para ser decorado. Abriu um pequeno sorriso para a garota, ao ouvir as palavras dela. Por um segundo temeu que teria de usar sua katana contra uma pessoa tão doce, porém isso nunca chegaria a ser o caso, uma vez que ela não fizera nada de errado com os Lindbergs. Até onde seu conhecimento ia, é claro.

- Não se preocupe. Não senti nenhuma maldade vinda de você e eu jamais atacaria uma pessoa boa.

- E é. Porém conseguimos simplificar as coisas.

Katherine era uma pessoa com quem as pessoas facilmente se apegavam e até mesmo Requiem, conhecido por seu profissionalismo e sua frieza, acabara gostando da garota nas poucas palavras que trocaram um com o outro. Ele tomou mais um gole de seu café, aproveitando enquanto ele estava quente. A xícara desceu lentamente até encontrar a mesa e um pequeno sorriso surgiu nos lábios de Requiem.

- Sim, suponho que posso ser categorizado como um samurai, agora que tenho mestres - Ele disse - Sei que minha aparência não contribuí muito para isso, mas sou japonês sim.

- Com muita paciência e planejamento.

É claro que Requiem planejava entrar em mais detalhes com Katherine sobre como as múltiplas personalidades coexistiam, mas pelo momento ele decidiu atiçar a curiosidade da garota, evitando contar tudo de uma só vez. Apesar de se apresentar como uma pessoa séria na maior parte dos momentos, Requiem gostava de brincar com as pessoas, enganando-as. De uma maneira saudável é claro, ele jamais mentiria para colocar a vida de outra pessoa em risco, ele possuía um estrito código de honra.

- Antes dos Lindbergs, eu poderia ser chamado de Ronin e tecnicamente falando eu deveria continuar a ser chamado assim, uma vez que uma pessoa se torna um Ronin ela jamais pode voltar a ter mestres - Requiem tomou mais um gole de seu café - Suponho que a katana que carrego influencie muito nisso.

- Você quer realmente saber? 

Era difícil que Requiem encontrasse alguém que caía tão facilmente em suas palavras, Nymeria normalmente ficava impaciente demais e passava a ignorá-lo quando ele tentava brincar daquela maneira. Edrik jogava o mesmo jogo que ele, logo não tinha graça interagir daquela maneira com ele. E Ivan... bom, era um fato de que quando ele via o enorme russo os dois ficavam em pé de guerra. Devido ao fato de Lennart ter muitas personalidades, Ivan julgava que o rapaz fosse uma ameaça, quando era justamente o oposto.

- É um trabalho simples, eu só preciso seguir as ordens que me são dadas. Meus mestres podem não ser as melhores pessoas do mundo, mas eles são bons para mim - Disse Requiem, voltando a tomar de seu café.

Quando ele pousou a xícara, ele acabou por começar a rir sem nenhum motivo aparente. Foram necessários alguns segundos para que ele finalmente parasse, quando ele o fez os olhos se abriram, revelando aquela coloração roxa.

- Perdão, lembrei-me de um amigo de Lennart. Ele costumava sair com essa garota só porque com ela conseguia entrar de graça em alguns locais. E ela saía com ele porque ele a ajudava muito em alguns assuntos. Uma relação criada na base de interesses. Acabou que os dois acabaram se apaixonando, mas nenhum dos dois queria contar - Requiem falou, seus olhos descendo para a xícara de café em sua mão - O que você acha que o rapaz deveria ter feito? Falado o que sentia para a garota ou ele deveria ter continuado em silêncio?

- Cada uma das personalidades tem seu próprio email, tirando eu e o Azazel, e através disso nós decidimos que durante os raros dias de folga de Lennart nós iríamos tomar conta do corpo, como são eu, a Natasha e o Raizel são normalmente 8 horas para cada um, mas varia muito. Uma personalidade pode estar simplesmente indisposta e nesse caso pula para o próximo.


Era um sistema mais complexo do que precisava ser, o uso de celulares ou PDAS facilitaria muitas coisas, porém Raizel raramente fazia uso de algo muito tecnológico e Natasha acabava por quebrar qualquer coisa que segurasse perto de si. Logo, fora como decidiram tomar conta da situação e até então funcionara muito bem, sem maiores problemas. O maior deles era o costume que Natasha possuía de se envolver em todos os tipos de briga possíveis, até mesmo aquelas que não a envolviam.

- Com pessoas como essas, é difícil não ficar sabendo de uma coisa ou outra.

Requiem escutou tudo o que Katherine falava, concordando plenamente com o que ela falava. Ele demonstrava isso por assentir a cada argumento feito pela garota, seus olhos voltando a se fechar. Por fim, um pequeno sorriso brincalhão surgiu em seu rosto, conforme ele erguia sua cabeça. Seus olhos estavam fechados e ele era cego, porém ele conseguia ver Kit. Ergueu sua xícara de café, tomando tudo o que havia nela.

- Eu não sou capaz de falar isso para ele por motivos que logo ficarão um tanto óbvios - O homem deu uma pequena risada - Pode falar isso para ele, por mim?

- Nem tudo pode ser perfeito, não é? Sim, é a melhor solução atualmente.

Era necessário um enorme trauma psicológico para que a pessoa de fato tivesse múltiplas personalidades, que surgiam como um tipo de sistema de defesa do cérebro, no caso de Lennart fora ver seus pais serem mortos na sua frente. Além das múltiplas personalidades, ele tivera uma pequena perda de memória devido ao trauma, ele esquecera o nome de seus pais e como eles eram em quesito personalidade. Ele só sabia que eram seus pais pois os policiais lhe informaram isso quando chegaram na cena do crime e ele só lembrava do rosto deles por carregar uma foto consigo.

- Sim, é um peso que temos que carregar.


Requiem ergueu seu rosto, era como se seus olhos cegos, apesar de estarem fechados, estivessem fixados em Kit enquanto ele lhe dava um leve sorriso gentil, para logo em seguida abaixar seu rosto.

- Tenha paciência com ele, sim?

Dito isso, ele estremeceu levemente para logo em seguida sua cabeça se erguer e seus olhos abrirem. A cor verde brilhava nos olhos de Lennart, conforme ele olhava para os lados e em seguida para Kit.

- Eu... te conheço?

Cada uma das personalidades de Lennart possuíam uma visão diferente daquela cidade decadente, Natasha achava o lugar perfeito, pois ele possuía bebidas e brigas constantes, já Raizel acreditava que aquele local era tão imundo e podre que nem valia a pena ficar mais tempo ali. Azazel ignorava a cidade como um todo, escolhendo culpar-se pelo sofrimento que acontecia ali afirmando que era culpa dele pois ele apoiava uma das máfias, já Requiem acreditava que ainda havia um pouco de esperança para aquele lugar, mas que logo ele chegaria ao fim, como todo o resto. Lennart não se importava com a cidade, seu foco era Nymeria.

- Obrigado.

Aquilo servia tanto para a paciência que ela deveria ter com Lennart, quando o desejo de descanso. Por mais que ainda tivesse algumas horas para gastar ali, ele nunca as usava completamente, preferindo deixar Lennart voltar para o controle para que pudesse passar as últimas horas do dia com Nymeria. Agora que o dono do corpo voltara a controlá-lo, ele olhava curioso para Kit. Ele sabia quem ela era, sempre estava de olho nos Darkness.

- Não se preocupe, Katherine. Eu sei que é uma pessoa boa. E também, se fosse uma ameaça o Requiem não teria falado com você - Ele falou, cruzando seus braços calmamente, enquanto abria um sorriso apaziguador para a garota - E então? O que ele pediu para você? Porque ele pediu algo, não é?

- É, me parece muito com o que Requiem faria. Não acho que alguém fosse chegar a ver a katana em si - Disse Lennart, displicentemente como se aquilo fosse algo comum de se falar.


E para ele, realmente era, pois Requiem já eliminara muitas ameaças antes que elas pudessem sequer agir, desde que eles se apresentassem como um problema para os Lindberg, eram alvos de Requiem. Porém, este não era o caso com Kit, ela era gentil demais e uma pessoa boa no geral, logo ela estava longe de ser um alvo. Na verdade, em poucos momentos e em poucas palavras trocadas, ela se tornara o mais próximo de uma amiga que Requiem tinha. É claro que a outra personalidade não admitiria isso, pois se havia um traço que era comum entre todas as personalidades de Lennart era a teimosia.

- Você não faz ideia - Murmurou Lennart, várias vezes Requiem pegara um problema de Lennart e conversara com outra pessoa para que pudesse resolver tudo, apenas gerando um leve constrangimento do lado do rapaz - E o que seria isso?

- Muito.


Ele deu um pequeno sorriso, falar que sua personalidade matava não era nada novo. Quase todas faziam isso, com exceção de duas que nunca se envolviam em combates por questões pessoais. Atualmente o recorde de mortes confirmadas pertencia a Requiem, com Lennart e Natasha ficando logo atrás. O samurai cego era uma verdadeira máquina de matar e havia tanto sangue em suas mãos que era impressionante que elas não estivessem perpetuamente vermelhas.

- Ah, sim. Jogo dos pronomes - Ele deu uma risadinha, até notar exatamente sobre o que Katherine falava. Abriu um sorriso calmo e controlado para ela, como quem fora pego de surpresa e estava tentando manter a compostura - E o que foi que ele lhe disse?

Lennart estava gostando de Kit. Ela parecia ser uma pessoa boa e amigável e se até mesmo Requiem acabara por gostar dela, isso só significava que o próprio Lennart se tornaria um amigo dela. Isto é, se ele não fosse obrigado a sacar aquela katana. Se a palavra de que estava apaixonado por Nymeria se espalhasse, seria o fim de ambos. Ele duvidava que fosse chegar a isso, porém era sempre bom se precaver. Suas duas mãos, que estavam soltas ao lado da cadeira, estavam preparadas para segurar aquela espada.