F Society

A ordem havia sido dada:


Alessa Darkness costumava ditar àquelas palavras com mais frequência do que se imaginava, mas naquela noite, depois de uma tarde íntima não exatamente usual com o mais novo cachorro da máfia americana, chegara a hora de verdadeiramente pôr à prova seu faro e suas presas.

A informação que fora passada ao PDA dado a Trevor Phillips era que um grande carregamento de drogas contrabandeadas da Vendetta Corp, que deveriam supostamente chegar ao bairro de Neo Angeles para serem devidamente inseridos no mercado negro, havia sido atacado e completamente incendiado por "vândalos", se é que se poderia chamá-los assim. Uma das câmeras do próprio caminhão conseguiu mandar imagens por satélite até a central de controle apenas segundos antes de algum dispositivo especialmente preparado para isto bloqueasse o sinal eletrônico. Nas imagens, também enviadas ao PDA do assassino, era possível distinguir que os depredadores, um grupo de mais de cinco indivíduos, utilizavam jaquetas de motoqueiro com suásticas nazistas pintadas por sua extensão. Ainda assim, não haviam testemunhas oculares, uma vez que até mesmo os motoristas haviam sido mortos pelo grupo, e não havia muitas pessoas que pudessem dar informações concretas sobre um grupo aparentemente neo-nazista em Neo Tokyo. Ainda assim, para os mafiosos americanos, com o poder e influência que possuíam, não foi difícil vasculhar câmeras de trânsito e, embora tivessem sido surpreendidos que os equipamentos de vigilância da avenida por onde o grupo fugiu tivessem sido desligadas entre 1:30am até 2:13am, houve uma que conseguiu capturar um dos motoqueiros se dirigindo até uma região remota do Distrito 8 às 2:16am. Logo, um mapa foi traçado, circundando uma região de mais ou menos oitocentos metros onde a moto havia sido vista - e foi ali que a investigação vingativa se focou, e eles acabaram por descobrir um galpão que servia de esconderijo para alguns daquele grupo.
Achá-los havia sido mais difícil do que o imaginado, portanto era claro que o movimento havia sido arquitetado - e Alessa tinha plena certeza que deveria haver um líder entre eles.
O trabalho de Trevor era simples...
Ir até o galpão e acabar com cada filho da puta aspirante a revolucionário. E então, se houvesse mesmo um líder... levá-lo até a mansão Darkness, para que ele recebesse um tratamento especial, que certamente serviria de recado para qualquer um que tentasse fazer o mesmo.

No Distrito 8...

Até a Cidade Baixa foi para onde Trevor se dirigiu. O choque de realidade entre metrópole e subúrbio era imenso. Sair das luzes neon, dos asfaltos lisos, dos arranha-céus esplêndidos e belos e até dos trem-balas flutuantes movidos à campo magnético, para se dirigir ao chão esburacado, aos meio-fio sempre úmidos com água de esgoto e pragas com patas, aos carros abandonados de recentes cenas de crimes no meio do lixo e vapores que saíam dos encanamentos enferrujados debaixo do calçamento era um desafio para a maioria das pessoas. Talvez não para Trevor. Talvez ele até se sentisse mais em casa num ambiente como o da Cidade Baixa.
O galpão não foi difícil de encontrar, era só seguir as coordenadas concebidas. Era uma construção grande, de dois andares e, como a maioria das coisas no subúrbio, não parecia muito resistente. Não havia seguranças na entrada... no entanto, motos futurísticas acabavam de dobrar a esquina para se dirigir à entrada da grande garagem.

Um crime cometido contra os próprios criminosos; esse é o tipo de situação que a justiça só pode ser feita com as próprias mãos. E a líder da máfia americana havia confiado nas mãos sujas daquele mercenário...
Talvez "confiado" não fosse exatamente a palavra certa. Afinal, se ele falhasse, ele seria morto. O sucesso ou fracasso daquela missão era o futuro de Trevor, fosse ele dentro da Darkness, ou dentro de um caixão.

- Quanto tempo acha que vai durar, Charles?- a voz de um homem negro, um tanto magricela, que se vestia igualzinho ao Jimmy Hendrix com seu grande afro se fazia soar no segundo andar do galpão, rodeando nervosamente uma mesa e olhando para o rapaz do outro lado dela.- Pequenas operações, sem qualquer planejamento… eles vão acabar nos descobrindo antes que sequer tenhamos a chance de realmente começar!

-Disse o cara que preferiu começar a vender maconha caseira do que se empenhar na revolução.- o outro rapaz rebateu. De cabelos oleosos e castanho na altura dos ombros,olhos cinzentos e estreitos e um belo colete de couro desgastado cobrindo corpo, ele tinha uma voz rouca e uma língua afiada.- Que porcaria é essa,  Leslie?- ele indagou, abrindo os braços para abranger o que existia entre a quatro paredes.

Mesas e mais mesas lotadas de jarros de planta. Mas não qualquer planta, é claro.
Pareceria o quintal da vovó, se não houvesse também os tubos de ensaio e de testes, além da trituradora de folhas.
Uma vovó bem doidona, diga-se de passagem.

-Esse é o seu esconderijo agora? Virou um ratinho de esgoto? Sabe o quão ridiculamente fácil foi te achar?    
- Experimenta.-Leslie disse,  estendendo para o outro o que parecia ser um frasco cheio de cápsulas.- A pureza atingiu 98%, totalmente livre de material transgênico, e é por conta da casa.

Houve silêncio quando Charles pegou o pote.

- O quão fumado você tá pra achar que eu vou usar essa merda?

- Você acha que isso é um desperdício do meu potencial, não é? Bom, eu digo que você é um desperdício do seu próprio. Sinceramente,Charles. Desiste enquanto dá tempo.


Charles riu. Um riso cheio de escárnio, saindo pelo nariz. Como um vulcão querendo acordar.

- Agora você realmente tá começando a me deixar puto…

-Ah é?- Leslie se aproximou, ficando frente a frente com Charles e o encarando bem perto de seus olhos.- And what exactly are you gonna do if I cross this edge?

Houve silêncio, mas o olhar cinzento de Charles encontrou o de Leslie.
Como o silêncio que se segue depois do raio para que o trovão venha,Leslie soube…
Que tinha cruzado a beirada
E caído direto no abismo.

-Olha pra minha cara, Romero...nós dois sabemos que eu sou louco. E eu não tô falando louco do tipo fofo, tô falando… LOUCO!-ele bradou, e com um movimento derrubou todos os tubos de ensaio da mesa atrás de si. [

Leslie deu um passo para trás,mas foi a vez de Charles avançar, e ele fez isso arrancando uma pistola do coldre da calça e encostando o cano gélido dela no pescoço de Leslie.
Aqueles olhos estreitos o encaravam com um brilho lunático.


-Você perdeu o espírito. Do suor, do sangue, da guerra nas suas veias. Porra, eu não quero te matar, Romero. Eu te amo, cara! Eu só quero que você volte pro QG comigo, e então nós podemos mudar a porcaria do mundo juntos…

Charles destravou a arma. Romero engoliu em seco.

- Eu pareço louco o suficiente pra você dizer não pra mim agora?


-Charles...eu….


- BANG!

Leslie se encolheu imediatamente, e Charles gargalhou gostosamente com o susto de sua voz. Ele baixou a mira da arma, a risada estalada ainda soando.

-The look on your face. Priceless!- ele cuspiu, limpando a garganta.

-Seu lunático de merda…-Leslie grunhiu.

]Charles agarrou o rosto do outro, fazendo-o parar de tremer e olhar diretamente para si.

-Você deu a sua palavra e disse que iria até o final da revolução. Eu te dei a minha palavra, e disse o que aconteceria se você não fosse.

Charles deu as costas, pegando um capacete negro do chão, e os dois ouviram os barulhos das motos se aproximando lá fora.

-Deu meia noite e a cinderela tem que ir pra casa, Leslie. A carruagem lá fora vai te levar. É melhor ir logo...porque eu tenho meia dúzia de badaladas em cada mão pra você.

Bang.
Bang.
Bang.
Bang.
[Bang.
Bang.

Meia dúzia de badaladas.
Mas não vieram das mãos dele.


- Se abaixa!- Charles gritou, empurrando Leslie para debaixo da mesa junto consigo. Os tiros quebraram as vidraças da sala e destruíam vasos de planta como se fossem alvos de pato.- Merda, tá vendo? Eu falei que era fácil te achar aqui!

Ele apertou o ponto em seu ouvido,que brilhou com uma luz Neon.

-Merle, que porra tá acontecendo? Merle!

-Estamos sendo alvos de um ataque, Riot! Ta vindo da rua de cima!


- Quantos deles? QUANTOS DELES?


-Um!... Argh!- a chamada com Merle se perdeu. Ele havia sido atingido.
Charles franziu o cenho.

-Um?

Um só, e fazendo todo aquele estrago.
Ele tinha mil motivos pra temer. Mas tinha mais mil pra não deixar barato.
Ainda lhe restavam a outra meia dúzia de badaladas.

Leslie ficou ali, em choque, sem se mover,mesmo quando Charles agarrou duas submetralhadoras Uzi carregadas e saiu pela entrada da frente do galpão, mirando exatamente aonde Trevor estava.
Ainda não conseguia ver seu alvo direito, apenas a silhueta e a AK-47.


- I GET YOU MOTHERFUCKER!

Ele tinha um pano preto amarrado no rosto, cobrindo-o pela metade.

O som das balas foi música para os ouvidos de Trevor.
Infelizmente, haviam apenas o som das balas. Nem muita agonia, nem muita correria, nem muito medo. Chegou a ser melancólico, até.


A meia dúzia de motoqueiros mal viu o que lhes havia atingido. Três outros sentinelas quase tiveram tempo para reagir. Um adolescente perdido na rua, que nada tinha a ver com a situação, não correu para muito longe. Nenhum grito. Nenhum pedido de socorro. Nenhuma diversão.


O mercenário resistiu a vontade de suspirar. Bem, não era como nos velhos tempos, mas aquela pequena missão era um teste. Talvez no futuro ele conseguisse algo que lhe animasse de verdade.


Ele seguiu para dentro das cercas velhas, metralhando qualquer coisa que seu campo de visão capturasse com o mínimo de movimento. Foi quando o garoto mascarado lhe apontou aquelas ridículas armas high-tech que um brilho voltou para seus olhos. O lugar estava escuro, mas os led das submetralhadoras lhe deram uma pequena visão do provável chefe daquela espelunca. Trevor não prestou atenção nos detalhes da missão que lhe foi dada, mas sabia que aquele deveria ser o tão famoso revolucionário. 


—Oh, you got me. — zombou, olhando em volta com uma atuação barata de desespero, antes de começar a rir. —You REALLY got me there, big boy.


Assim que acabou de falar, o gatilho já tinha sido puxado mais uma vez. A metralhadora acertou ambas as pernas do mascarado, e Trevor pulou e riu como uma criança que acaba de ganhar um cachorrinho.


—Ha! Olha só pra você! Todo de máscara e jaqueta e que porra é essa nos seus pés, moleque? Sua mãe nunca te ensinou a usar botas de homem? Eu hein.