Recepção e Salas de Espera

Adentrando o local, os pés de Tanya batiam fortemente contra o chão. Ele tinha aproximadamente 1,62 metros de altura, porém seu rosto e seu corpo lembravam muito o de uma criança. Com cabelos loiros presos em um rabo de cavalo e vestida como uma verdadeira oficial do exército, ela era uma figura séria e fofa ao mesmo tempo. Aproximando-se do balcão, ela precisou ficar na ponta dos pés para que a mulher a notasse. Não era tão baixa quanto uma criança, mas sua aparência não ajudava no quesito de ser notada.

- Estou aqui para visitar Viktoriya Ivanovna Serebryakov - Ela falou, e logo em seguida a mulher começou a checar a lista de pacientes.

- Espere só um pouco, os doutores estão terminando de tratar dela - Disse a mulher.

- Tratar? - Questionou Tanya, sua voz levemente irritada.

- Sim, estão dando para ela injeção de proteínas, açucares e esse tipos de coisas - Falou a outra, explicando a situação por cima - Não deve demorar.

- Certo...

Tanya caminhou até um dos sofás e largou-se nele, sem nem mesmo ver se havia outra pessoa ali. Estava morrendo de vontade de pegar um cigarro, porém lembrou-se que estava em um hospital. Por mais que houvesse como ela fumar ali sem causar dano a saúde dos outros, ainda era tido como uma enorme falta de respeito. E se havia algo que Tanya valorizava, era respeito.

Roupa da Tanya:

Na cabeça de Tanya, mil explosões ocorriam ao mesmo tempo, lama e pedaços humanos voavam de um lado para o outro, conforme choviam projéteis para todos os lados. O cheiro era ainda vívido, como se ela tivesse voltado para os campos de batalha na China, com aquele odor terrível de sangue e outros dejetos que escapavam dos corpos, uma vez que quando mortos seus intestinos esvaziavam-se. Um gosto de cobre voltou a adentrar sua boca, misturado com um pouco de sal de seu próprio suor.


A tecnologia podia avançar, os seres humanos podiam começar a acessar novas áreas para se aprimorar, porém a guerra dificilmente mudava. Conforme compatriotas seus morriam ao seu lado, o cheiro piorando, ela conseguia sentir os seus músculos ficarem tensos, seus olhos pareciam queimar de tanto tempo que ficaram abertos, uma dor de cabeça enorme invadia o seu corpo. Momentos como aqueles não eram nenhuma novidade para Tanya, uma vez que sempre era puxada de volta para a guerra nos piores momentos possíveis.


Isso era chamado de Estresse Pós-Traumático e era algo que muitos daqueles que participaram em qualquer guerra traziam de volta para casa e com Tanya não fora nada diferente. Ela entrara como voluntária para a guerra, uma vez que seu país estava sob ameaça. É claro, a China e seus aliados estavam extremamente distantes da Alemanha, porém com os avanços tecnológicos essa barreira foi quebrada. A única coisa que impediam os países de se bombardearem era o medo de trazer o fim do mundo com isso. Logo, a batalha ocorreu no chão, nos mares e no ar, como já era tradição da raça humana. Com o súbito ''oi'' de Katherine, Tanya deu um pequeno pulo ao ser puxada de volta para o presente, deixando a guerra para trás... pelo menos por enquanto.

- Ah, o que? - Ela parecia estar meio perdida, mas finalmente entendeu o que ela queria dizer com aquilo - Ah sim, vim visitar uma antiga subordinada minha.

Aquilo era um problema constante na vida de Tanya, não se arrependia de ter entrado na guerra, pois seu país precisava dela. E também fizera ótimos amigos lá, incluindo a Segunda Tenente Serebryakov, que deveria ser a pessoa mais doce do mundo. Também perdera muito, mas costumava não pensar nisso e sim se focar nas coisas boas que vieram. Seus olhos voltaram-se para Kit e ela abriu um pequeno sorriso.

- Capitã Tanya Degurechaff do Exército Alemão, do 1º Esquadrão Fliegende Götter - Do modo que ela falou, era como se estivesse de volta no exército, apresentando-se para outros oficiais. Era possível que Katherine tivesse ouvido falar do Esquadrão Fliegende Götter, ele ficara bem famoso durante a guerra por ser um esquadrão paraquedista que utilizava de Wingsuits¹ para infiltrar-se e eliminar as defesas Chinesas - Não se preocupe, isso não me feriu.

¹Wingsuit ou Traje Planador é algo que existe nos tempos atuais e é visto como um esporte, porém em Neo Tokyo e na Guerra da Eurásia, foram usados modelos metálicos que protegiam seus usuários, dando a eles verdadeiras asas, tipo o Falcão da Marvel. Eles não podiam voar realmente, apenas planar e controlar sua decida, já que para voar seria necessário muito barulho.

- Eu tenho quase 25 anos de idade. Mas Danke mein Lieber¹ - Disse Tanya, com um pequeno sorriso em seu rosto. Era bom ser elogiada de vez em quando, deixando seu passado como Tanya, a Má para trás. A guerra já acabara e com a vitória de seu país e seus aliados, porém ela ainda era lembrada por ter sido uma das estrategistas mais frias a já se juntar ao exército alemão. O exército Nazista não contava - Eu entendi o que você quis dizer.

Ela deu uma curta risada, aquele jeito de Kit ser realmente a lembrava muito de Serebryakov. Uma pessoa doce e divertida, que todos queriam ter por perto apenas para sentirem-se melhor, pois o próprio ar que ela carregavam conseguia animar os espíritos das pessoas. Isso não a ajudava muito, na verdade, apenas fazia-a sentir ainda mais falta de sua Segunda-Tenente. Não, por ter sido ferida em combate e proteger uma oficial ela havia sido promovida. Agora, Serebryakov era uma capitã, assim como Tanya. Ou pelo menos fora.


Ambas compartilhavam um sonho, porém os seus meios para alcançá-los eram claramente diferentes. Sendo a intendente dos Schatten Einer² ela tinha apenas certo controle da Die Reich, porém era o suficiente para poder dominar uma área de Neo Tokyo. Ela buscava trazer a paz por controlar totalmente tudo o que estava em seu alcance. Começaria com aquela cidade e logo com o país, então voltaria para sua terra natal e a conquistaria também. A história havia uma coisa ou duas a dizer para ditadores, porém Tanya tinha certeza de que com ela seria diferente. A certeza dos tolos.

- É algo bom, isso. Mostra que é honesta.

¹ Tradução: Obrigada, minha querida.
² Tradução: Shadow Ones. Sombrios seria a tradução mais correta para o português, ou Os Uns das Sombras.

- Anos no exército exigem isso de você.

Ela falou aquilo com um sorriso e aquilo era um fato. Para alcançar uma patente tão alta como a de Tanya alcançara, era necessário ter muito maturidade e paciência, além de uma enorme habilidade no quesito guerra. Kit era uma pessoa adorável, com a qual as pessoas facilmente se apegavam e por isso era meio que difícil que Tanya conseguisse pensar em uma maneira de usá-la. Sabia bem quem era Katherine, sabia muito bem. Mas, ela era uma pessoa boa e não estivera envolvida na morte de seus homens.

- Isso também. Mas você é uma pessoa boa.

Tanya pegou o palitinho de chocolate e o colocou em sua boca, mas ao invés de devorá-lo rapidamente apenas ficou brincando com ele, girando-o de um lado para o outro e mordiscando de leve de vez em quando. Aquilo era bom para passar o tempo, quanto antes terminassem com Serebryakov, melhor seria para ela e a espera era sempre agonizante.

- Danke¹ - Disse Tanya - É realmente bom.

¹ Tradução: Obrigada

- Acho que eu não serviria pra ir à guerra. Aliás, eu não suporto essa idéia... mas simpatizo com as pessoas que arriscam tudo pelo seu país.

Katherine era aquele tipo de pessoa que lutava apenas quando achava necessário. Ela o fazia para proteger, nunca com outro objetivo alem desse.

- Eu acho que sou. - ela sorrou corando um pouco, nunca sabia reagir direito a elogios. - Obrigada.

Ela observou de canto enquanto Tanya brincava com o palitinho. Suas mãos juntaram sobre seu colo e ela observou olivro que havia deixado a seu lado.

- Sua... subalterna. O que houve com ela?

- Pessoas como você e Serebryakov não devem ir para a guerra.

Ela falou aquilo com muita, mas muita, convicção. Ela realmente acreditava que um campo de batalha não era um lugar para pessoas com um bom coração, já não bastava seus soldados e amigos morrendo na sua frente, ela não aguentaria saber que uma pessoa boa como Kit ou Serebryakov estavam sacrificando suas vidas quando haviam muito mais que poderiam fazer, se apenas estivessem ao lado das pessoas que amavam. Ela desejara tirar Viktoriya da guerra, mas a bondade no coração da outra a impedia de deixar aquele inferno.

- De nada.


Aquela pergunta fez com que Tanya parasse de brincar com o palito de chocolate em sua boca. Foram dois minutos de completo silêncio da parte da mulher, conforme ela se inclinava para frente e juntava suas duas mãos, os olhos completamente fixos no chão. Kit acabara de fazer uma pergunta cuja resposta era simples, porém difícil de ser dada.

- Durante o Inferno em Beijing, mais especificamente falando no Ataque ao Castelo de Yiheyuan, nós recebemos nossa última missão. Ao redor do castelo haviam casas, onde tinham soldados inimigos atacando as tropas que estavam no chão. Nós deveríamos invadir três casas mais próximas e então voltar para ajudar a invadir o castelo. Nós já tínhamos sofrido baixas, porém fomos do mesmo jeito. Ao chegarmos na terceira casa, sobrou apenas eu e Serebryakov - Contou Tanya, sua voz calma e fria - No andar de cima estavam os inimigos. Um deles... apareceu no topo da escada e abriu fogo. Eu pude ver nos olhos dele que estava desesperado. E que estava mirando em mim.

Suas mãos apertaram-se ainda mais.

- Mas nenhum tiro me atingiu. Serebryakov entrou na frente e me protegeu. Eu consegui limpar a casa e o apoio médico chegou, mas já era tarde. Um dos tiros pegou na coluna, logo abaixo da vértebra cervical. Ela ficou paralítica. Mas esse é o menor dos problemas e já foi resolvido com um AUG. Devido aos disparos e os traumas causados, ela não acordou mais. E mesmo que acorde, é possível que ela tenha perdido a memória - Tanya inspirou profundamente, sues olhos lacrimejando um pouco - Que não se lembre de quem é, que não se lembre de sua família... que não se lembre de mim.

- Não chamam uma guerra de inferno na terra sem motivos.


Durante a guerra, Tanya matara tantas vezes que o gosto do sangue já era algo que ela conhecia bem. Já vira tantas vezes a própria morte que simplesmente aceitara, porém a morte de alguém próximo de si era algo inaceitável. Principalmente se fosse uma pessoa com quem ela se importava profundamente. A guerra mudava as pessoas, as a guerra em si jamais mudava. A tecnologia evoluía, as pessoas podiam se tornar mais letais, mas o caos e a tempestade de projéteis e morte sempre continuava a mesma.

- Você realmente é uma pessoa muito boa - Dito isso, Tanya depositou um pequeno beijo na testa de Kit. Um beijo carinhoso e amigável - Danke, mein lieber Freund¹

¹ Obrigada, minha querida amiga.

- Claro que tem, mas aquilo não foi uma guerra. Foi... algo diferente.


A única parte boa que Tanya via da humanidade estava naquele hospital, descansando seu corpo em uma cama, incapaz de acordar, incapaz de se mover. Claro, ela acabara de ver outro lado bom da humanidade, e estava conversando com este lado neste exato momento. Tanya adorava pessoas boas, adorava pessoas capazes ver as coisas por outro ângulo, por um ângulo bom. Algo que Tanya nunca fora capaz de fazer.

- Tenho certeza de que você consegue isso - Tanya sorriu para Kit, era impossível alguém não gostar daquela garota - Enfim, não falemos mais sobre mim. O que você veio fazer aqui?

A Guerra da Eurásia havia sido um massacre, com a resistência da China e seus aliados sendo tão mínima que foi como passear em um parque. É claro, haviam perdas de ambos os lados, mas o país derrotado havia perdido muito mais do que os vencedores, que escreviam a história conforme desejavam. Porém, como um método de destruição extra, tudo o que estava no caminho dos exércitos era derrubado até o chão, para garantir que toda aquela imagem de poderio que a China um dia possuíra jamais voltasse a ser erguida.

- Ah sim, AUGS auditivos - Comentou Tanya, tocando de leve as orelhas de gato de Kit - Sabe, conversando com você, faz todo o sentido que seja uma Exotic.

Os motivos por trás da Guerra da Eurásia eram que a China possuía armas de destruição em massa e planejava usá-las, algo que um tratado com a ONU havia expressamente proibido. Logo, investigações começaram e as tensões cresceram entre a China e alguns outros países. No final das contas, nunca foi descoberto de fato se haviam armas lá ou não, apenas que uma guerra estourou e que muitas, mas muitas vidas haviam sido perdidas naquele ano. Uma guerra curta, durando apenas um ano, mas que deixara uma marca no planeta.

- Seu pai parece ser uma boa pessoa - Sorriu Tanya. Havia crescido em um orfanato, não teria como saber o que era ter uma família. Seu orfanato fora uma completa e total merda, com as pessoas que deveriam cuidar dela sendo cruéis e as outras crianças tentando ser tão ruins quanto os adultos. Tanya não fora uma exemplo, uma criança boa no meio do caos. Não, ela se deixara afundar e aceitara que seu destino era colocar todos naquele local abaixo de seus pés. Ela caíra, mas se reerguera - Sua personalidade combina.

- Sim, eu realmente acho. Você tem toda essa vibe tranquila e amigável - Falou Tanya.


Logo em seguida, uma enfermeira aproximou-se, avisando que os médicos haviam terminado os procedimentos com Viktoriya. Tanya levantou-se e espalmou as calças, voltando seu olhar para Kit, com um sorriso tranquilo em seu rosto. Era difícil ver Tanya sendo tão amigável assim, sem nenhum comentário sarcástico ou ácido de sua parte.

- Se estiver com tempo, quer vir conhecer a minha Visha?

- Então vamos - Falou Tanya, chamando Katherine com seu dedo.


Ela começou a caminhar pelos corredores, com Kit acompanhando-a. Durante todo o percurso, Tanya nada falou. Precisava se preparar mentalmente para o que estava por ver, por mais que fosse uma visão que ela havia visto várias vezes. Então, ela parou, suas botas militares dando uma última batida contra o chão. Estavam perante o quarto sessenta e oito. A porta deslizou para o lado quando ela se aproximou mais.


O quarto do hospital era branco, com uma decoração simples. Na janela, que estava fechada, encontrava-se um vaso de flores amarelas que haviam sido checadas para garantir que não carregavam nada que pudesse comprometer a saúde da mulher que repousava ali. A cama era metálica e extremamente confortável, haviam algumas máquinas ao lado dela, todos conectados ao corpo que repousava. 


Era como se ela estivesse dormindo, uma expressão tranquila em seu rosto, conforme seus cabelos longos e castanhos caíam para o lado de seu corpo. Era alta, porém isso era apenas caso fosse comparada com as duas que haviam acabado de entrar ali. Ela era bela, muito bela, porém havia algo de inocente nela, um ar que a encobria. Ao lado dela havia uma mesinha, onde uma foto era projetada holograficamente. Mostrava Tanya e Viktoriya. A pequena mulher loira aproximou-se da cama e puxou uma cadeira, sentando-se ao lado dela e começou a segurar a mão dela. Ela estava fazendo o seu melhor, porém ela tremia levemente.

- Visha, essa é Katherine.

Foto: