Recepção e Sala de Espera

Era bom ver que suas formigas não mentiam para ele, isso significava que haviam aprendido a não contrariar os desejos de Johan. É claro, deveriam estar se perguntando o motivo para Johan interagir com aquela garota, de estar tão interessado nela. Não havia um motivo. Ele apenas ouvira falar dela, sobre como era uma pessoa boa e amigável, que trabalhava para os Darkness e que talvez fosse a única pessoa que prestava naquela máfia. Estava definitivamente curioso para ver como ela agia, se tudo aquilo não era uma verdadeira fachada. Ante a reação das pessoas a chegada dela, pode supor que não, não era uma fachada e ela era genuinamente boa. Assim como Kenzo Tenma. O tipo de pessoa favorita do Johan.

- Olá, Katherine não é? - Ele falou, assim que ela sentou-se ao seu lado, vestindo seu rosto com um sorriso gentil conforme estendia sua mão para cumprimentá-la.

A voz de Johan era suave, calma e controlada, algo capaz de fazer uma pessoa sentir-se tranquila e em segurança. Também ajudava o fato do rapaz ser extremamente atraente e estar sempre com um sorriso repleto de falsa gentileza, fazendo com que as pessoas ao seu redor se sentissem muito mais confortáveis. Havia algo, muito escondido, que tornava tudo aquilo assustador. Principalmente a voz dele. Mas não era algo que Kit conseguia captar, pelo menos não de cara assim. 

- Ah, é que eu ouvi umas pessoas falando sobre você, um pouco antes de chegar. Você trabalha para os Darkness, não é mesmo? - Questionou Johan, com um pequeno sorriso em seus lábios. Ele não parecia estar julgando Kit por estar junto da máfia, era como se aquilo não importasse - Eu vi um deles no Vortex Club, nas gravações ele me parecia muito ferido. Ele está bem?

Havia tanta preocupação na voz de Johan que Kit realmente acharia que ele estava preocupado com Beyond, pelo bem-estar do homem. Por dentro, ele não se importava nem um pouco com o que acontecia com o mafioso, desde que ele não entrasse em seu caminho, o outro poderia fazer o que bem desejava.

- Eu teria ficado e ajudado, mas alguns amigos meus estavam lá e eu não sabia se estavam bem.

- Não, eu não vejo problema algum em alguém trabalhar para a Darkness. Todos temos motivos - Sorriu Johan. Seu sorriso, por mais falso que fosse, brilhava como o sol após um dia escuro e chuvoso, trazendo calor e calma para as almas mais conturbadas. É claro, esse sorriso não funcionava com o próprio Johan, caso contrário ele não seria aquele monstro que era - É bom saber isso.


Johan soltou um suspiro aliviado realmente convincente, como se realmente estivesse preocupado com Beyond. Ele sabia bem que logo chegaria o dia em que aquele homem apontaria a sua enorme pistola para a sua cabeça, mas não seria ele quem mataria Johan. Não seria ele quem o acharia e não seria ele quem acabaria com aquela vida. Não seria aquele homem alto, pálido e de longos cabelos negros que poderia compartilhar da visão do fim do mundo. Não, esse direito estava reservado á duas pessoas.

- Quando eu estava saindo eu fiz o que pude para ajudar Edrik Lindberg mas... acabei me preocupando tanto com meus outros amigos que não pude perceber que a própria Nymeria estava ferida também. Aquele dia foi horrível...

- Tenho certeza de que devem ter pessoas boas lá - Sorriu Johan, considerando o fato de que a própria Kit era uma pessoa boa. Não, Kit era uma formiga boa. Sempre andando em linha, ajudando aonde podia. Aquela garota deveria ser uma das pessoas mais boas naquela cidade horrível. Mas é claro, para todo bem existe um mal equivalente. Onde havia uma bondade quase infindável em Kit Black, havia uma apatia enorme em Johan.

Na opinião de Johan, a maior falha de Tanya naquela noite foi acreditar que os outros apenas aceitariam sua mensagem. Uma mensagem precisava ser bem transmitida, gravada na mente das pessoas, para que jamais pudessem a esquecer. Ela deveria ter começado matando todos próximos o suficiente daquelas pessoas para serem considerados amigos, para apenas então matar eles. No final das contas, ela acabaria pagando por seus erros.

- Eu não diria que cuidei, apenas dei uma injeção de nano-robôs para ele, o suficiente para estancar o sangramento. Nymeria Lindberg estava com o ombro deslocado, algo que só fui ficar sabendo depois.

Johan sabia das limitações de Katherine, mas ainda assim tentou ver até onde ela iria. Fidelidade é algo bom, porém pode ser facilmente quebrado no primeiro deslize cometido, é necessário que uma pessoa seja extremamente cega para continuar seguindo alguém, mesmo após esta ter traído a confiança de seu subordinado. É claro, Johan não controlava pessoas através de lealdade. Ele controlava através do medo.

- Sim, eu fiquei sabendo disso. Se eu tivesse terminado meu curso de biomedicina eu poderia ter feito algo para salvar a perna dele - Lamentou-se Johan, descendo seus olhos para o chão, como se estivesse realmente decepcionado consigo mesmo - Sim, a Nymeria é uma pessoa muito boa e forte. Me lembra a minha própria irmã gêmea, de um certo modo.

Johan conseguia entender de onde vinha toda aquela lealdade que os humanos possuíam, mas ele apenas não era detentor dela. Para Johan, nada daquilo importava, lealdade, amor, ódio. Não havia um bom motivo para ele acreditar nessas coisas, nem mesmo uma pessoa como Kit conseguiria mudar a cabeça de uma pessoa como Johan, uma vez que as palavras dela jamais o alcançariam. 


Se algum dia Johan conseguisse voltar do ponto que alcançara, que tipo de pessoa ele seria?

- Você tem razão, obrigado por isso, Katherine - Disse Johan, oferecendo a Kit um sorriso agradecido - Tenho. Mas eu não a vejo desde que eu era uma criança. A história é meio longa, na verdade. Não sei se vai querer escutá-la.

- E é - Disse Johan, com um tom triste - Quando nós éramos mais novos, nossa mãe nos abandonou. Nós vagamos e vagamos pela Alemanha, até que fomos encontrados por um oficial do exército. Anna foi para um orfanato diferente do qual eu fui enviado. Mas, depois de um tempo, nos encontramos novamente e fomos adotados pelos Lieberts.


Até então, era uma história triste de fato, mas que terminou bem com os gêmeos se reencontrando após tanto tempo distantes um do outro. É claro, ele deixou de fora que o orfanato para o qual ele foi levado fez experimentos com ele, fazendo-o perder boa parte de sua memória. E que ele incitou uma revolta, fazendo com que os adultos e as crianças se matassem, enquanto ele queimava Kinderheim 511 até o chão.

- Não faziam nem dois dias desde nossa adoção, quando um homem invadiu a casa. Ele matou nossos pais adotivos e atirou em mim - Ele ergueu seu dedo e apontou para sua testa - Bem aqui. Eu... deveria ter morrido. Mas um doutor chamado Kenzo Tenma salvou minha vida. Ele é como um pai para mim, sabe? Durante o tempo que eu estava no hospital ele foi uma pessoa muito gentil. Mas... o diretor do hospital e outros dois médicos acabaram morrendo e... eu não me lembro de mais nada. Eu só lembro de estar na rua, faminto e de um gentil casal ter me adotado. Mas eu nunca mais vi a Anna.

- E foi. Principalmente para ela, a Anna foi muito afetada por tudo isso.

Johan parecia ignorar, ou apenas aceitava e não se importava, o fato de que ele próprio fora afetado. Haviam quatro fatos em sua vida que o mudaram completamente, do que antes era uma criança simples, que se preocupava com a irmã e o tornado em um monstro. Um deles, o rapaz escondia. O segundo foi ter sido abandonado pela mãe, o terceiro era ter ido para Kinderheim 511 onde foram feitos experimentos nele e o quarto foi ter levado um tiro na cabeça. Quem puxou o gatilho não foi um homem que invadiu a casa, pois ninguém entrou naquela casa naquele dia. Quem matou os pais adotivos dos gêmeos foi Johan. E quem atirou contra a cabeça dele foi Anna. A sua quase morte o fez olhar o mundo de outra maneira.

- Eu tentei, mas não há nenhum sinal de nenhuma Anna Liebert em lugar nenhum. Ela deve estar com outro nome.

- Obrigado, Katherine.

Por mais sincero que aquele agradecimento soasse, não havia um pingo de gratidão dentro do corpo de Johan. Pois ele já havia encontrado sua irmã e ela havia revelado-o tantas coisas... Johan, no final das contas, não se importou com isso. Ele estava acostumado a ter revelações como aquela de tempos em tempos, e mudar de planos nunca foi algo impossível de acontecer. Se antes ele buscava ser o último ser vivo no planeta Terra, agora seu objetivo era outro. Ter todas as vidas ceifadas e a a superfície do planeta desolada lhe parecia algo tão infantil naquele momento.

- Sim, eu vim jogar também - Ele disse, levantando-se - Qual jogo você vai jogar, Kit?

Johan colocou suas mãos atrás de seu corpo, caminhando tranquilamente ao lado de Katherine, para adentrar as salas de Realidade Virtual. Johan não tinha o menor apreço por jogos, porém sabia que era necessário tomar parte de coisas como aquela para não chamar muita atenção, para tentar ficar parecido com um jovem adulto normal. 

- Eu não tenho nenhum jogo preferido. Mas também jogo Stargazers.

O rapaz normalmente jogava mais Stargazers pois ele era popular com os estudantes da NTU. O jogo era conhecido por permitir que os avatares dos jogadores fossem do jeito que eles bem desejassem, desde que não fosse nenhum conteúdo muito explícito. Eles adentraram a sala de Realidade Virtual, haviam várias cadeiras reclináveis com capacetes equipados em cima delas, elas eram confortáveis e já haviam algumas pessoas ali. Johan sentou-se em uma ao lado de Kit e conectou-se.